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Crónicas do quinto império: O Horizonte da Resignação

O que é que se passa com o meu país? E o que é que podemos fazer sem ser resi­gnarmo-nos?

Joaquim Ruivo, professor jruivo2@sapo.pt

Em tempos de crise profunda são muitas as oportunidades para sermos hipercríticos, irónicos, corrosivos e conflituosos… Assim como encontraremos justificação razoável para sermos demagógicos e panfletários.

O que tenho para contar é real e quero contá-lo sem emoção.

A Ana frequenta o 11º ano e tem andado um pouco apática, os olhos sonolentos, cansados. Acompanha com esforço as aulas e uma ou duas vezes pareceu-me que dormitava. No final da aula perguntei-lhe o que se passava e desatou em pranto, o choro entremeado por falta de ar, numa crise de pânico, exausta. Vive sozinha em casa com uma irmã mais nova de quem toma conta, porque os seus pais, sem emprego em Portugal, tiveram que emigrar. Não se consegue concentrar e as notas desceram.

Na mesma turma, também a Inês vive sozinha com a irmã mais velha. A sua mãe foi para França à procura de emprego para conseguir pagar todas as despesas. Calma e decidida mantém o seu objetivo de um dia ir estudar para Nova Iorque. É excelente aluna.

A Paula está no 12º ano. A meio de uma aula pediu-me para sair porque estava a sentir-se muito mal disposta. Soube logo o porquê: cansaço extremo. Dorme 5 a 6 a horas por noite. Vive sozinha com uma irmã mais nova, porque os seus pais emigraram. Estuda, cozinha, cuida da irmã, limpa a casa. É excelente aluna.

A Filipa frequenta igualmente o 12º. É uma menina que sempre conheci com uma expressão séria e um pouco melancólica. Atentíssima, muito responsável e com boas notas, sabe, no entanto, que não poderá prosseguir os estudos, pelo menos para já. Não por falta de média, mas porque tem outra irmã mais velha a estudar e os seus pais não têm possibilidade de custear o curso a ambas.

A Cristiana foi a única aluna da turma do 11º ano que não se inscreveu para uma visita de estudo. Quer continuar a praticar o que tanto gosta – hipismo – e, para isso, tem de abdicar de outras coisas, mesmo as tão pouco dispendiosas como uma visita de 10 euros. Foi a Joana R. que na véspera da visita pediu a palavra e sugeriu que todos contribuíssemos com 50 cêntimos. E assim foi: em 2 minutos fiquei com as mãos repletas de moedas e a Cristiana aceitou participar da visita.

São minhas alunas e comovi-me até às lágrimas com cada uma delas. (Umas lágrimas que tentei fossem furtivas, para não parecer um professor lamechas…).

Sinto orgulho e admiração por estas jovens alunas, mas não posso deixar de perguntar: o que é que se passa com o meu país?

E o que é que podemos fazer sem ser resignarmo-nos?

(texto publicado na edição em papel de 22 de junho de 2012)