Assinar

Crónicas do quinto império: O Jorge, a Sneska e a Pia d’Urso

“Os grandes monumentos não são o problema – o que nos preocupa são os centros históricos e a paisagem rural, muito mais complexos que castelos ou mosteiros”.

Joaquim Ruivo, professor jruivo2@sapo.pt

O investigador Jorge Dias alertou em 1963: “Nós Portugueses, estamos, não nas vésperas, mas em plena fase de perdermos toda essa riqueza do passado (do mundo rural). Se não corrermos rapidamente a salvar o que resta, seremos amargamente acusados pelos vindouros pelo crime indesculpável de termos deixado perder o nosso património tradicional, dando mostra de absoluta incúria e ignorância”.

Sneska Quaedvlieg-Mihailovic, secretária-geral da Europa Nostra (associação de defesa da herança cultural), em entrevista ao Público, em fevereiro passado, afirma que em termos patrimoniais “os grandes monumentos não são o problema – o que nos preocupa são os centros históricos e a paisagem rural, muito mais complexos que castelos ou mosteiros”.

Quarenta e nove anos separam as afirmações, mas como se mantêm pertinentes!

Viver numa aldeia, em Portugal, nos anos sessenta, era ainda viver no “passado”. Porém, em poucas décadas o mundo e o país mudaram. E o que garantia a perenidade, permanência e constância do património rural – um peculiar e determinado modo de vida -, modificou-se de forma radical, arrastando também consigo a vivência e conservação desse património, que dele dependia intimamente.

Assistimos, então, em breves anos, ao panorama de aldeias exauridas e campos abandonados (também por força de emigração), de quintas agrícolas decadentes, de alfaias desaparecidas, de tradições, cantigas, danças, mezinhas esquecidas, de capelas, igrejas e casas roubadas e vandalizadas. De tal maneira nos afrontou a rapidez do abandono e degradação que fomos muitas vezes incapazes e impotentes para analisar, acudir e salvaguardar.

Sobre esse mundo os investigadores fizeram recair um olhar envergonhado. Com raras exceções, até aos anos 80, as preocupações académicas mantiveram-se alheadas desse património rural, que por ser tão invasivo, tradicional e secular quase foi desprezado.

Não podemos, é certo, ter a veleidade de conservar todo o património, nem de exigir às entidades públicas, nacionais ou locais, que façam o que deve ser feito pela sociedade civil. Muito se perdeu e continua a perder, mas justifica-se destacar os sucessos. Quando se fala em preservação inteligente, criativa e consistente do património rural penso imediatamente no projeto da Pia d’Urso, em S. Mamede, Batalha. É um dos tais bons exemplos que merece ser estudado, avaliado e copiado. O Jorge orgulhar-se-ia certamente dele e a Sneska tem que visitá-lo um dia.

(texto publicado na edição em papel de 20 de abril de 2012)