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Hoje escrevo assim: Dias que são noites

Há dias que deviam ser noite. Porque é à noite que se ouve. Porque é à noite que se sente.

Ana Lúcia Bento, empresáriaana.bento@inoeh.pt
Ana Lúcia Bento, empresária ana.bento@inoeh.pt

Há dias que deviam ser noite. Porque é à noite que se ouve. Porque é à noite que se sente.

A noite que os dias devolvem. Os que nos correm bem e os que nos correm mal.

Há quem diga que a noite é boa conselheira, mas eu discordo!

Porque discordo de quem não discute. Discordo de quem não discorda. Discordo de quem se esconde. De quem não arrisca. De quem tem medo de ser diferente. De quem não ataca o frigorífico. De quem não come Nutella às colheres.

De quem não promete que amanhã vai ser diferente.

Há dias que deviam ser sempre noite. Para andar descalça e ouvir os pés no chão. Para vaguear pela casa como se ela não fosse nossa. Para ouvir a vida que se esconde debaixo de uns lençóis com princesas e castelos. Para fazer bolachas e não ter ninguém com quem as partilhar.

Há dias que deviam ser sempre noite. Para não ouvir o telefone. Para não sentir a vida lá fora, mas apenas a nossa.

Poder ser tonta e falar sozinha! Pensar em voz alta! Rir sem razão aparente e imaginar como seria se amanhã pudéssemos começar tudo de novo outra vez.

Há dias que deviam ser sempre noite. Para ser o que de dia os outros não vêm. Para sentir o que de dia os outros não sentem.

Os dias que deviam ser sempre noite, deviam ser assim…

Doces, tontos, reais, mágicos, mas só nossos.

(texto publicado na edição de 6 de novembro de 2014)