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Hoje escrevo assim: Pedaço de braço esquerdo

Que todos tenhamos na vida um pedaço de braço esquerdo.

Ana-lucia-bento
Ana Lúcia Bento, empresária ana.bento@inoeh.pt

Está quase. Só faltam três kms. 20 minutos. Chegar a casa. Tomar um duche. Vestir e sair.

(Dois segundos depois)

Catrapuz! Braços para a frente, pernas para trás!

“Magoaste-te? Consegues continuar?” – perguntam. “Acho que sim” – disse eu.

Disse, mas menti. Rezo a caminho do Hospital. Não pode ser nada.

“Desculpe? Fratura? Seis Semanas? Dr. podia repetir tudo muito devagar, mas muito devagar?”

Bolas, vejo mal, mas ainda ouço bem! O que faço agora? Seis semanas imobilizada, sem autonomia. Mas para que serve o braço esquerdo sem o direito? Não demorei muito tempo a encontrar a resposta.

Ao fim de dois ou três dias descobri que o meu braço esquerdo serve para muito mais do que alguma vez imaginei.

Serve para nos obrigar a abrandar. Serve para perceber que não somos de ferro. Serve para aceitar as boleias dos amigos. Serve para descobrir novas formas de vestir umas calças. Serve para rir de tudo o que deixamos cair. Serve para tocar piano a três mãos. Serve para fazer um rabo de cavalo torto mas muito giro. Serve para fazer bolachas feias mas deliciosas. Serve para fazer rir os outros da nossa falta de jeito. Serve para abraçar de forma mais intensa. Serve para estar mais perto de todos e para sentir todos mais perto de nós.

Que todos tenhamos na vida um pedaço de braço esquerdo.

(texto publicado na edição de 27 de março de 2014)