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Ilustração do rosto de Patrícia Duarte

Patrícia Duarte

Diretora-adjunta do REGIÃO DE LEIRIA

Queremos mesmo voltar à normalidade?

Não deixa de ser absurdo sair desta tormenta no estado em que entrámos, sem ter aprendido nada, sem vontade de nos melhorarmos como pessoas e como comunidade.

O que era a vida antes da pandemia? De que tarefas se construía a nossa rotina, a que ritmo nos movíamos, que tempo dedicávamos aos nossos, o que estávamos dispostos a partilhar com os outros? Estas questões, às quais pouca ou nenhuma atenção dávamos, ganharam entretanto profundidade.

As tempestades são também um convite ao recomeço. Podemos aceitá-lo ou não. A “normalidade” está aí, prontinha a ser retomada e a consumir-nos o quotidiano. É um lugar conhecido, por isso seguro, por isso apetecível.

Todavia, não deixa de ser absurdo sair desta tormenta no estado em que entrámos, sem ter aprendido nada, sem vontade de nos melhorarmos como pessoas e como comunidade.

Nesta “sociedade do cansaço”, a normalidade a que estávamos habituados era tudo menos normal. Era egoísta e alheada, vazia e fútil, desgastante e doentia. Paradoxalmente, afastava-nos da própria vida ao colocar-nos a nós próprios em risco, em desarmonia com tudo o que nos rodeia. O desrespeito absoluto pela natureza, o primado do crescimento económico em detrimento da saúde e do bem-estar é insustentável a prazo, alguém duvida?

Ultrapassado que está o período de maior convulsão, a oportunidade é agora de reconciliação em várias frentes: connosco, com os outros, com a natureza.

Durante os próximos tempos, os constrangimentos serão muitos. Não pode ficar tudo bem no imediato. Na verdade, não pode ficar tudo bem sem o reconhecimento de que estava quase tudo mal.

Essa transição não se faz sem conflito e sem dor, mas que isso não nos leve a aceitar a “normalidade” que conhecíamos. Quem a quer afinal? No que estiver ao nosso alcance, que consigamos mudar os alicerces do que vamos construir, os valores por que nos vamos reger, as prioridades a que nos vamos entregar. É uma oportunidade única para determos o vírus que nos minava sem darmos conta: o da desumanização.