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reXistência: “Consumir de preferência antes de”

Enquanto a cadeia agroalimentar for dominada pelos interesses da indústria e das grandes cadeias de distribuição, o desperdício subsistirá.

Cláudia Oliveira, jurista, assessora no Parlamento Europeu rexistencia.co@gmail.com

Todos os anos na União Europeia são deitados fora cerca de 50% dos alimentos em condições comestíveis. São cerca de 89 milhões de toneladas de comida não utilizada, o que, atendendo à população dos 27 Estados Membros, significa uma média de 179 kg por pessoa. Mas, o mais incrível é que, no mesmo espaço onde se desperdiça tudo isto, vivem cerca de 79 milhões de pessoas abaixo do limiar da pobreza, sem acesso a alimentos suficientes.

O desperdício alimentar verifica-se a todos os níveis da cadeia agroalimentar, desde os campos agrícolas, às indústrias de transformação, às empresas de distribuição e às casas dos consumidores, contudo, estima-se que seja precisamente ao nível do consumidor que ele seja maior, cerca de 42% (60% do qual poderia ser evitado).

Este desperdício não é, nem pode ser uma inevitabilidade. Algo tão simples como a venda granel, que permitiria ao consumidor adquirir uma quantidade mais próxima às suas reais necessidades, ou a alteração do tamanho das embalagens, contribuiria para diminuir significativamente o desperdício. Do mesmo modo, a adoção generalizada de práticas já existentes em alguns países, por parte das superfícies comerciais, que reduzem o preço dos alimentos cuja data de validade se aproxima do fim.

No entanto, enquanto a cadeia agroalimentar for dominada pelos interesses da indústria e das grandes cadeias de distribuição, o desperdício subsistirá, os produtores continuarão a ter de produzir massivamente como forma de diminuir os prejuízos. Seria pois importante introduzir também a este nível mecanismos que impedissem as atuais distorções do mercado, que levam a que os produtores tenham que vender às distribuidoras abaixo do preço de custo, ficando aquelas com todo o lucro.

Tudo isto foi objeto de um Relatório recentemente aprovado pelo Parlamento Europeu (disponível em: www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-//EP//NONSGML+REPORT+A7-2011-0430+0+DOC+PDF+V0//PT) que conclui que a questão do desperdício de alimentos representa um problema ambiental e ético e tem custos económicos e sociais.

Foi pois com muito agrado que li recentemente a reportagem sobre o projeto “Dona Horta”. É bom perceber que nestes cenários, e apesar deles, há quem procure encontrar soluções alternativas e simples que respondem numa primeira análise aos seus problemas reais e diretos, mas ao mesmo tempo contém soluções que podem servir de modelo a uma outra escala de preocupações.

Precisamos de mais exemplos assim!

(texto publicado na edição em papel de 3 de fevereiro de 2012)