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reXistência: Frágeis como ovos

O trabalhador é hoje visto como o bode expiatório de tudo o que acontece na economia nacional.

Cláudia Oliveira, jurista, assessora no Parlamento Europeu rexistencia.co@gmail.com

Nos últimos anos assistimos a um esvaziamento dos direitos dos trabalhadores. Primeiro o Código de Trabalho aprovado pelo governo de Durão Barroso, depois a reforma do mesmo pelo governo de Sócrates, e agora pelo actual governo de Passos Coelho.

De golpe em golpe, subvertem a lógica que determinou a existência do próprio Direito do Trabalho, a proteção do elemento considerado mais fraco na relação laboral, ou seja, o trabalhador.

O trabalhador é hoje visto como o bode expiatório de tudo o que acontece na economia nacional. As empresas não faturam o suficiente porque os trabalhadores não produzem. A crise financeira é responsabilidade dos trabalhadores que andaram a viver acima das suas possibilidades. Os argumentos são inúmeros, falsos e demagógicos. Mas justificam a punição. Alguém que se comporta tão mal, alguém que é estruturalmente preguiçoso, alguém que se sobreendivida, merece certamente castigo. Será alguém que não sabe usar devidamente os direitos que lhe foram atribuídos, e o melhor será que deixe de os ter. Talvez a entidade patronal, como boa administradora, saiba melhor o que convém ao trabalhador e, por isso, se presume como uma melhor administradora, até da vida privada daqueles que designa como seus colaboradores.

Em tempos de austeridade como o atual, são estas mesmas pessoas, que estão a suportar a maior parte das medidas e dos cortes impostos pelo Governo. São estas pessoas que pagam o aumento de impostos, que pagam o aumento das taxas moderadoras, o aumento inexplicável dos combustíveis, ao mesmo tempo que sofrem diminuições significativas nos seus salários.

As vidas estão tão frágeis como ovos, mas o governo de Passos Coelho entende que é preciso mais. A economia precisa de crescer, e se as associações patronais dizem que são os trabalhadores os grandes entraves ao crescimento, há que dar-lhes razão. Cortem-se então os direitos. Precarizem-se essas vidas que para o Governo não contam. O que é preciso é mudar mais uma vez o Código de Trabalho!

Tristemente, este modo de agir dos governos de direita não representa nenhuma novidade na sua essência, o que muda é apenas a crueldade da concretização. O que surpreende é a abstenção do maior partido da oposição, que se designa de socialista. A abstenção é deplorável, especialmente perante a barbárie da situação. Abster-se, neste caso, significa que para o PS é indiferente que a retirada de direitos dos trabalhadores seja aprovada ou não. Ora, não se pode jogar ainda mais com a vida já tão frágil das pessoas.

(texto publicado na edição em papel de 5 de abril de 2012)