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reXistência: Greg@s somos tod@s nós!

Diz a sabedoria popular que não há pior cego do que aquele que não quer ver.

Cláudia Oliveira, jurista, assessora no Parlamento Europeu rexistencia.co@gmail.com

Diz a sabedoria popular que não há pior cego do que aquele que não quer ver.

No entanto, estou cada vez mais convencida que há uma espécie de cegueira mental ainda pior do que essa, a cegueira daqueles que vendo e percebendo a inépcia das suas acções insistem nas mesmas, sem se preocuparem com as suas consequências ou, pior ainda, conformando-se com as mesmas.

A Grécia acaba de ver aprovado um novo plano de ajustamento da ajuda externa, que além dos novos cortes nos salários e nas pensões e de colocar a Grécia sob o protectorado da Alemanha, não é senão mais do mesmo. Contudo, parece-me fácil de compreender que se se recorre a um novo plano é porque o anterior não resultou. Mais difícil é perceber e aceitar que face a essa conclusão se insista na mesma receita. Mais difícil é perceber e aceitar que essa receita recaia mais uma vez sobre quem já não pode mais. Os gregos já foram esmifrados até ao tutano e foi isso que vieram dizer para as ruas – que já não podem mais, e fizeram-no de modo tão violento, quão violentas são as medidas que lhes são impostas diáriamente. Em Portugal assistimos à distância a todo esse cenário e parecemos esquecer que a Grécia também somos nós, que todos os dias assistimos à imposição de novas medidas de austeridade que nos obrigam ao pagamento da crise, deixando os verdadeiros responsáveis da mesma prosseguir a sua actividade especulativa impávida e serenamente.

Em Portugal, a resignação parece dominar perante esta crise que todos os dias nos oprime e evidencia as nossas fragilidades e diferenças enquanto sociedade. E, no meio deste cenário, ainda temos que ouvir discursos como o do Cardeal D. Manuel M. de Castro, segundo o qual o papel da mulher é em casa a tomar conta da educação dos filhos. Não podemos aceitar que a crise sirva também de pretexto para reconduzir a mulher a um estatuto de cidadã de segunda ou a ver-se compelida a ter que resistir duplamente, enquanto cidadã e pela manutenção da sua qualidade de cidadã. Mais útil seria que afirmasse de modo tão veemente, e em acordo com a sua mesma fé, o repúdio pela subjugação das pessoas pelo poder económico, pela banca e pelos mercados financeiros.

A pior cegueira será a dos que vendo fingem não ver, mas a pior atitude é a dos que percebendo fingem não perceber, na esperança vã que tudo se resolva milagrosamente e que, de preferência, não os afecte muito.

Resta saber até quando resistiremos a reagir? Qual será o nosso ponto de ebulição?

(texto publicado na edição em papel de 24 de fevereiro de 2012)