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Tempo incerto: Quer um Audi?

Aonde é que vai buscar a massa para as taxas e impostos a pagar, o seguro obrigatório, a manutenção e o combustível?

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José Vitorino Guerra

Uma das características deste governo é dar a sensação de que muitas das suas medidas são filhas de algum impulso imediatista e até parece que, quando assim acontece, não avalia as consequências das decisões que toma.

O governo vai, agora, patrocinar um novo jogo de azar, em concorrência directa com os jogos da Santa Casa e os casinos, certo de que, numa Pátria madrasta, a única forma de fintar o azar é um golpe de sorte.

Decidiu, assim, atribuir a cada cidadão a possibilidade de ter um Audi A-4 todas as semanas, ou, em momentos extravagantes, um A-6. Basta ter facturas para ser candidato a um carrinho novo dos 58 a sortear por ano. A marca escolhida, como não podia deixar de ser, é alemã. O que simboliza bem a devoção que o governo sente pelos nossos credores e, em particular, pela Srª Merkel. O concurso é a prova de que o nosso “milagre económico” já permite que um pobre, mas afortunado, ganhe um Audi, graças ao governo! Receio bem que a Troika vá olhar a coisa como mais uma manobra de ostentação perdulária!

Ao escolher a Audi, uma marca importada, o governo está a contribuir para o desequilíbrio da balança comercial, a emitir um sinal de desconfiança contra os bens fabricados em Portugal e os esforços dos nossos empresários para promoverem os seus produtos.

Depois, vamos imaginar que o bólide sai a um desempregado, ou a um beneficiário do rendimento social de inserção, que, por dever cívico, arranjou umas facturas. Aonde é que vai buscar a massa para as taxas e impostos a pagar, o seguro obrigatório, a manutenção e o combustível? E, ainda, fica a possuir um sinal exterior de riqueza que pode dar origem a problemas diversos, se, entretanto, não for vítima de “carjacking”! Uma chatice para quem não pode viver acima das suas possibilidades e a quem o governo tudo tem feito para se habituar a uma resignada miséria.

Não era mais sensato dar de comer a quem tem fome, pagar os estudos a quem não pode, custear a saúde a quem dela carece? Todavia, temos de ver que a nossa elite gosta de andar de Audi de vidros escurecidos e acha que, nas actuais circunstâncias, o sonho de cada português é ter um carrinho ministeriável! De facto, por detrás dos vidros escurecidos, deve ser muito mais fácil conviver com a realidade.

Escrito de acordo com a antiga ortografia

(texto publicado na edição de 27 de março de 2014)