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Tempo incerto: Revisitar 1580

A ladainha glorificadora do governo havia de acabar por descobrir um “milagre económico” redentor e procurar apropriar-se da história nacional para legitimar a sua acção política.

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José Vitorino Guerra

A ladainha glorificadora do governo havia de acabar por descobrir um “milagre económico” redentor e procurar apropriar-se da história nacional para legitimar a sua acção política. Não há sinalzinho económico levemente morno que não passe logo à categoria de “milagre económico” justificativo da validade do “ajustamento” e não estamos a falar do crescimento da economia paralela que já representa 26,7% do PIB.

Paulo Portas, mais dado à profecia histórica, vislumbra em 2014 um novo 1640, agora na versão de uma “Restauração financeira”, capaz de pôr fim ao “protectorado” e de vingar o enxovalho nacional que é o resgate da Troika, equiparado a 1580 e à invasão espanhola. Deixemos de lado a questão do governo ter acabado com o feriado comemorativo do 1 de Dezembro de 1640, dia da Restauração da Independência, e revisitemos 1580.

Após o desastre político-militar de Alcácer–Quibir, em 1578, abriu-se uma crise dinástica e financeira que se somou à de um império em vias de desabar perante a ambição de novos rivais, como a Inglaterra, a Holanda e a Espanha, ambicionando esta a hegemonia colonial e europeia.

A plutocracia portuguesa viu, então, em Filipe II um aliado poderoso capaz de lhe assegurar as prebendas e os negócios no Oriente, através da ajuda militar e do fornecimento da prata necessária ao comércio na Índia. A alta nobreza e os grandes mercadores, com a bênção de sectores da Igreja, abraçaram a União com Espanha. A invasão não passou de uma passeata.

A Restauração da Independência, em 1640, numa conjuntura internacional desfavorável a Espanha e lesiva dos interesses da elite dominante em Portugal, levou a um longo período de guerra com o nosso vizinho, o que obrigou a estabelecer diversos tratados comerciais com a Inglaterra, para obter apoio político e ajuda material, que sujeitaram o País a novas formas de dependência e de estrangulamento económico.

Aqueles que nos conduziram ao resgate da Troika e se têm mostrado tão submissos e agradados com a sua aplicação e ido mesmo além do programa inicial para concretizarem os seus objectivos políticos de uma nova redistribuição da riqueza nacional à custa do sofrimento da generalidade dos portugueses, bem podiam aprender que a analogia com 1580 não é mera coincidência.

Escrito de acordo com a antiga ortografia

(texto publicado na edição de 7 de novembro de 2013)