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Sociedade

Seis histórias simples de quem olha a crise como um lugar distante

Há quem aposte em formas alternativas de vida e assegure que há boas notícias à nossa espera no novo ano. A arte está em saber procurar pistas para encontrar a felicidade.

Joana Oliveira e Nuno Pedrosa têm refinado a arte de saborear a vida, num verdadeiro projeto a dois, apostando em partilhar uma grande aventura. Têm-se um ao outro, literalmente, no desafio que arrancou em janeiro de 2012 na Nova Zelândia e que passa por pedalar mundo fora até chegar a Leiria.

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O futuro não preocupa Nuno e Joana

O Natal foi passado no Irão. Quando se espera que um planeta inteiro passe por debaixo dos pedais de uma bicicleta, é natural que o bom humor seja o sistema métrico mais “utilizado”: “Quase que já se consegue ver o castelo daqui! Já faltou mais”, brincam numa das respostas via Facebook, enviadas da terra dos ayatollah.

Dir-se-ia que vivem a vida em contramão. “É um ‘máximo’ feito de ‘mínimos’, ou seja, quando viajamos vivemos uma vida simples, com o essencial, que já é bastante, de comida, roupa, abrigo… É o espaço criado por essa simplicidade que nos permite viver a vida ao ‘máximo’, desfrutando das coisas que verdadeiramente importam – como o contacto com as pessoas e com o que nos rodeia”.

Lá para o final do verão, a viagem chega ao fim e começa outra: encontrar emprego, estabilizar as finanças, dormir debaixo do mesmo teto todos os dias. Mas, “com tanto quilómetro nas pernas, se há coisa que já aprendemos é que é totalmente inútil preocuparmo-nos com o futuro”. O essencial é, sim, “sonhar com ele, mas nunca à custa de negligenciar o bom do que se está a viver no presente”. Soa-lhe a familiar?

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Bruno Gaspar aposta na solidariedade como receita para o otimismo

O criativo Bruno Gaspar, natural da Batalha, também tem andado “Pela Estrada Fora” a descobrir e divulgar a região. Caminhos alternativos, sinuosos mas reveladores de belezas pouco conhecidas não são novidade para ele e para a sua moto clássica.

Sem grande dificuldade, ensaia um olhar otimista para o ano que agora se estreia: “2014 deve ser encarado como parte do percurso para anos melhores”.

A receita é “não desistir dos projetos em que acreditamos, mas relembrar que a vida não é apenas gráficos e vitórias financeiras”. Para o criativo, sobra a certeza de que “a fraternidade e a solidariedade tornam a sociedade mais otimista e por isso, colocam-na no caminho do progresso”.

Olhai os morcegos do campo

Mais a norte, a partir de três palheiros antigos, António Fael construiu a sua casa. Ele e a mulher são um dos dois casais que habita a aldeia do Casal de S. Simão, em Figueiró dos Vinhos. Em 2010 deixaram Leiria.

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António Fael no Casal de S. Simão, com um dos seus cabritos

“Vivíamos num apartamento, um caixote quase sem privacidade. No fundo, era quase como uma prisão”. António Fael trabalha na monitorização de morcegos de parques eólicos, a mulher é bancária em Alvaiázere. “O dia a dia é igualzinho. O que varia é a paisagem”.

Estão a dez minutos de Avelar, a 15 de Alvaiázere e a um passo de Figueiró, perto de hospital, farmácias, supermercados, cafés. Ali, a solidão é miragem para quem até já esteve nos Himalaias ou Patagónia.

“Só sinto falta dos amigos. Mas acabo por estar com eles nos nossos projetos”. Têm três cães, dois gatos e duas cabras e um chibo, chamado Elvis. Lyra, a cadela Serra da Estrela, é o mais recente membro da família. António Fael vive literalmente no meio da natureza: “Costumo ver os javalis mesmo aqui perto. É como ter o ‘National Geographic’ à porta de casa!”.

Apesar disso, ainda revela ter consigo o “pessimismo do litoral”. Afinal, teme que 2014 seja complicado. “É um ano em que o Estado tem mais dívidas para pagar. Vamos ver como vai resolver esse problema. Porque isto acaba por recair em todos nós”.

Mas lá, onde escolheu viver, com vista para a serra da Aguda, reconhece: a crise não é novidade. “As pessoas já estão habituadas e não notam tanto a crise como no litoral, onde todos estão mais dependentes dos supermercados. Aqui há mais solidariedade”. Em suma, “não se nota este pessimismo do litoral”.

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Sofia Coutinho acredita que 2014 será o começo da recuperação

Em contraponto, Sofia Coutinho está confiante. 2014, aposta, “é um ano de abundância, que prepara a retoma de crescimento económico e financeiro de 2015, para todos os que estão atentos”. Mesmo, e sobretudo, aqui, entre nós:

“A região em que vivemos é uma das melhores do mundo”, repleta “de oportunidades de crescimento em todos os níveis e áreas”, assegura a dinamizadora da Quinta de Sementes Estrela, que promove em Leiria uma abordagem alternativa da agricultura – mas, e sobretudo, da vida.

Ex-quadro da Sonae, apostou numa abordagem alternativa, longe do corrupio quotidiano. Depois do “período de grande transformação” dos últimos anos, “está na hora de cada um assumir o seu papel construtor de um novo mundo”.

Como? “Libertando os medos e usá-los como ‘energia positiva’ para viver: amor, paz e harmonia”.

Pode começar com um pequeno exercício: “Abre as portas dos teus armários e as gavetas, tira tudo para fora e volta a colocar lá dentro somente o que é essencial. Faz isso na tua casa, empresa, trabalho, e dentro de ti”.

“A felicidade é o caminho”

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Vítor Mira encontrou no Gungo forma de ajudar quem tem pouco

O padre Vítor Mira não tem mãos a medir desde que partiu para o Sumbe e dirige a missão do Gungo, em Angola. Quando não está a celebrar missa, a apoiar os fiéis ou a dar formação, desdobra-se entre os transportes com o camião, a rega da horta e da lavra, construções e reparações diversas, execução de tanques para água, mecânica ou atendimento de cantinas.

“O missionário tem que ser mesmo multifuncional”, adianta-nos via email, ele que vive com tão pouco. É que no Gungo “não há energia elétrica e por isso temos que usar lanternas recarregáveis”, “a comida é feita ao lume”, “não há frigoríficos”, a água é escassa e “não há médicos, nem enfermeiros nem hospitais”.

Ainda assim, encara o próximo ano “com expectativa positiva e com esperança a todos os níveis”: “A esperança é o que dá sentido à existência”, diz, convicto de que “a felicidade não é um fim em si mesmo, mas o resultado, como que o troco do que damos”.

“Necessitamos de bens, sem dúvida. Mas a felicidade depende mais da forma como nos relacionamos com os bens do que da quantidade que temos. Aqui em Angola tenho aprendido isso, mas com os mais pobres”, testemunha. Quanto à crise que Portugal atravessa, acredita que “pode ser uma oportunidade para as pessoas refundarem as suas vidas e verem em que erraram, para chegar aos pontos a que chegaram”.

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Paulo Brandão encontra nas dificuldades desafios

Bem mais perto, Paulo Brandão, frade franciscano que prestou serviço em Leiria durante 12 anos, está atualmente em Braga e olha para a vida com uma esperança inabalável e para as dificuldades como um desafio que é possível superar.

“A minha própria família vive o desemprego” mas “as pessoas são capazes de criar e recriar estratégias” para não se deixarem afundar. Uma mudança de mentalidade impõe-se, acredita, certo de que as pessoas precisam de descobrir “o quanto valem”. Se assim for, tudo o resto “adqui­re um outro papel”.

Pessoalmente, a dedicação ao outro permite-lhe descobrir o “valor que sou”. “Custa-me aceitar a ideia de que só sou feliz se for para os outros. Não penso assim. Descobri alguns dons que tenho no serviço aos outros”, confidencia Paulo Brandão, que encontra na fé e na itinerância uma forma de estar e de se relacionar com os outros.

“Não há um caminho para a felicidade. A felicidade é o caminho”, assegura. “A grande crise é a falta de fé das pessoas em si mesmas, que se repercute, por sua vez, nos sistemas económicos e políticos que não acreditam nas pessoas”, sustenta.

(Reportagem publicada na edição de 2 de janeiro de 2014)

CSA, MG, ML e MR

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