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Desporto

“Um grupo de amigos que se junta para fazer coisas” debaixo de terra

Pela primeira vez grupo de espeleólogos explorou 200 novos metros num dos mais conhecidos algares do país. Balanço de 2017 é (muito) positivo e grupo acredita que vão surgir surpresas no próximo ano

Aos 45 metros de poço vertical e outros 10 a 15 de acesso a uma galeria, “o grupo de amigos que se junta para fazer coisas que gosta” a 80 metros de profundidade, desbravou este ano mais 200 metros de caminho no algar da Arroteia, uma das cavidades mais conhecidas pelos espeleólogos em Portugal (e não só).

O balanço da Campanha Arroteia 2017 é apresentado este sábado, aos amigos do NEL, na Casa Abrigo, em Chão das Pias, concelho de Porto de Mós, bem próximo do algar (ver caixa).

O grupo, de 21 elementos ligados ao NEL-Pénoburaco e de outras associações que se juntam na exploração, esteve entre junho e novembro passado a avançar na cavidade e ultrapassou uma barreira gigante. “No ano passado, ficámos na ‘Galeria do Tiago’, com um sifão inundado, sabendo que podíamos avançar. Este ano, devido à persistência, fomos mais destemidos, perdemos o medo, atacámos logo no início e conseguimos progredir”, explica Marco Dias, responsável da secção NEL-Pénoburaco.

Na realidade, estes aventureiros atravessaram uma passagem com 20 centímetros de largura, batizada como ‘Passagem da Concertina’ – “Passamos de lado, com um braço à frente e outro atrás, e às vezes, tiramos o capacete para facilitar. Mas com tranquilidade e calma, todos passam”, diz João Ferreira, outro espeleólogo que desde 2015 conhece esta dinâmica – depois entram numa vala com bastante água e acedem a uma conduta “extremamente longa” que termina num novo sifão. Foi aqui, nesta ponta de exploração, a cerca de 280 metros de alcançar a superfície e duas horas de caminho, que o grupo parou, em novembro passado.

 

Hugo Costa é o elemento mais novo do grupo, 19 anos. Também é o mais magrinho e por isso foi o primeiro a atravessar a ‘Passagem da Concertina’. “Sou de Alqueidão da Serra e sempre ouvi falar no Algar. Experimentei, para perceber melhor e é fantástico”, conta o responsável também pela existência de energia eléctrica no algar.

Outros dos invasores do que existe debaixo da superfície é Alexandre Leal, que este ano se juntou ao NEL-Pénoburaco. “O trabalho deste ano permitiu-nos avançar de forma significativa para além das fronteiras que estavam marcadas há vários anos, décadas (…). É possível que tenhamos encontrado um novo curso de água que se juntará à ‘Galeria do Rio’. (…) Mas percebemos também a direção geral em que a cavidade se parece estar a desenvolver, sobretudo porque esta aponta para uma falha geológica, que pode ser a chave fundamental na sua compreensão”, explica.

Seca ajudou
O saldo “é claramente positivo”, dizem, e o ano de seca, prejudicial para muitas outras coisas, ajudou a prolongar a exploração. “Até os [espeleólogos] mais antigos dizem que nunca tinham visto a gruta tão seca”, acrescenta Marco Dias.

Ainda assim, por se tratar de uma gruta freática, o comportamento muda rapidamente e após as primeiras chuvas, os espeleólogos deixaram de ouvir água a pingar e encontraram água abundante. “A espeleologia acarreta riscos. Temos que conhecer as previsões meteorológicas mas nem sempre conhecemos o suficiente a gruta ao ponto de saber que resposta vai ter”, refere Flávio Lucas, que desde 2010, não mais largou o capacete.

Entrar e sair do outro lado
O algar da Arroteia é uma cavidade com bastante importância para a espeleologia nacional, permitindo fazer progressões verticais e horizontais e aplicar um conjunto de técnicas. Explorada há mais de 40 anos, nunca se tinha chegado tão longe e o caminho parece não parar aqui. “Estamos a falar de um grão num monte de areia. O maciço tem muitos algares interligados. A Arroteia será mais um. O nosso sonho é entrar e um dia sair do outro lado”, refere Flávio Lucas, de sorriso no rosto.

Dia do NEL dá a conhecer vida das secções

O momento é de convívio. Entre fundadores, sócios, amigos e famílias ou simples curiosos. O Núcleo de Espeleologia de Leiria (NEL) assinala este sábado o Dia do NEL, na Casa Abrigo, em Chão das Pias, freguesia de Serro Ventoso, concelho de Porto de Mós, e vai partilhar muitas das aventuras que realizou ao longo do último ano, bem como desafiar os participantes a realizar algumas atividades.

O encontro está marcado para as 13 horas, para um almoço convívio partilhado, onde serão divulgados vídeos e fotos das seis principais secções do clube : Pédatleta, Pédencaixe, Pénoburaco, Pédegato, Pédemolho e Pénacascata.

Durante a tarde, cada secção fará uma pequena demonstração das atividades e o regresso a casa está marcado ao anoitecer.
Com 36 anos de existência, o NEL tem por hábito reunir os NELitos todos os anos e alimentar o espírito de camaradagem “para fazer coisas que gostam”. “Só assim é que faz sentido”, salienta Luís Subtil, presidente da direção, que reconhece o dinamismo que as várias atividades trouxeram à região.

Informações do Dia do NEL em nel.pt .

Para António Fael, um dos fundadores do Núcleo de Espeleologia de Leiria (NEL) e participante ativo na exploração, o cenário que conhece atualmente pode mudar no próximo ano. “Estamos a chegar a um ponto de viragem da gruta, com importantes formações geológicas e aí, penso, vamos encontrar surpresas agradáveis”, explica. Há mais de 40 anos a visitar a Arroteia, António Fael acredita que um dia destes “a porta vai abrir”. “É uma luta constante com a gruta e a vontade de continuar. Só um grupo tecnicamente muito bom e cheio de vontade permite chegar aqui”, realça.

A opinião é partilhada por todos os que vestem o fato. A persistência, motivação, camaradagem e amizade justificam meio caminho deste sucesso. “As pessoas têm que sentir e viver a espeleologia, têm que experimentar. É uma maluqueira como qualquer outra. Uns vão para as montanhas fazer trail, outros encontram os seus desafios a passar sifões”, salienta Marco Dias.­ “Não vale a pena fazer por obrigação, vamos porque gostamos e aquilo nos motiva. É esse o espírito do NEL, um grupo de amigos que se junta para fazer coisas que gosta”, reforça.

A proximidade com os locais também dinamiza a atividade, dando a conhecer o até agora desconhecido, e, além da parceria com o Instituto de Conservação da Natureza e Florestas, os “NELitos” estudam juntamente com a junta de freguesia e a autarquia a possibilidade da gruta ser um ponto de abastecimento de água às populações, em caso de seca.

Em 2018, o NEL-Pénoburaco quer voltar à ponta da exploração, passar o sifão e explorar outras zonas, como a ‘Galeria dos Açores’, igualmente descoberta este ano. Até lá o trabalho continua noutras cavidades e na topografia. Qual o sentido da gruta, que direções segue, que altura tem, quais as distâncias são tudo dados resultantes das investidas neste queijo suíço. De momento, ainda sem fim à vista.

Quem é quem no NEL-Pénoburaco?

Marina Guerra
Jornalista
marina.guerra@regiaodeleiria.pt

(Artigo publicado na edição de 14 de dezembro de 2017)

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