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Mulher suspeita de queimada é a única acusada na investigação ao fogo que dizimou o Pinhal de Leiria

Uma mulher, de 68 anos de idade, será a única pessoa acusada no processo que investigou os incêndios que, a 15 de outubro de 2017, consumiram 86% do Pinhal de Leiria, para além de uma vasta área de floresta na orla costeira da região. Começa a ser julgada esta quinta-feira, dia 17, no Tribunal de Alcobaça.

Incêndios destruíram 86% da Mata Nacional de Leiria e  uma vasta zona da orla costeira ​ Foto de arquivo: Joaquim Dâmaso

Uma mulher, de 68 anos de idade, será a única pessoa acusada no processo que investigou os incêndios que, a 15 de outubro de 2017, consumiram 86% do Pinhal de Leiria, para além de uma vasta área de floresta na orla costeira da região. Começa a ser julgada esta quinta-feira, dia 17, no Tribunal de Alcobaça.

A investigação aos fogos desse dia está concluída e o julgamento do caso arranca dois anos após os fogos. A hipótese de conluio entre empresários do sector da exploração florestal foi afastada pela investigação que não encontrou provas que a sustentasse. Mas foi encontrado um artefacto que sugere a intencionalidade de provocar o fogo. Quem o terá colocado no local? Essa é uma questão para a qual a investigação ao caso não encontrou resposta. Apenas a autora de uma queimada na Burinhosa, aldeia da freguesia de Pataias, concelho de Alcobaça, ocorrida na madrugada de dia 15, é responsabilizada neste caso. Começa a ser julgada esta quinta-feira no Tribunal de Alcobaça.

O REGIÃO DE LEIRIA consultou o processo que revela que a mulher, residente na Burinhosa, é acusada de cometer em autoria material e de forma consumada, um crime de incêndio florestal. Quando faltavam poucos minutos para as sete da manhã de dia 15 de outubro, adianta a acusação, a arguida ateou fogo a mato e silvas de um terreno baldio próximo da sua residência. O fogo alastrou e chegou a atingir até o terreno da arguida. Os bombeiros foram chamados por populares e combateram as chamas que consumiram uma área de 0,2 hectares.

A investigação concluiu que no dia 15 deflagraram dois incêndios distintos. Um pelas 13h51 nas imediações da Praia da Légua, também no concelho de Alcobaça. Outro, minutos mais tarde, às 14h33, junto à Burinhosa. Este último, lavrou até à tarde de dia 20, progredindo até Leirosa (Figueira da Foz). Já o fogo da Praia da Légua, avançou até encontrar o outro fogo, no dia 17.

Mas estes dois fogos foram alimentados por reacendimentos de incêndios anteriores. Na Praia da Légua, o fogo nasceu de um reacendimento de um incêndio ocorrido dias antes, a 12 de outubro. Na Burinhosa, o tal fogo alegadamente iniciado pela arguida, esteve na génese do incêndio que consumiria a Mata durante dias. Todavia, o Ministério Público (MP) considera que o reacendimento não pode, do ponto de vista jurídico, ser imputado à ação inicial da arguida. Embora refira que a conduta da arguida não foi adequada, o MP reconhece que para o reativar do fogo, sete horas mais tarde, contribuíram as condições atmosféricas de exceção verificadas na região nesse dia. Neste contexto, e por ser infratora primária, o MP recomenda que à mulher não seja aplicada uma pena superior a cinco anos de prisão.

Mas também terá existido mão humana no primeiro fogo ocorrido na Praia da Légua. É que foi encontrado um púcaro de resina com uma pinha e caruma que permitiu concluir que a matéria vegetal e a pinha foram previamente atulhadas no púcaro e ateadas. Já no chão, o artefacto permitiu que o fogo atingisse o material lenhoso circundante. Em suma, concluiu-se pela intervenção humana neste fogo, sem que tenha sido determinada a sua autoria. Sem provas, o caso foi arquivado.

Investigação descarta ação de madeireiros

A possibilidade de ter existido uma correlação de interesses de empresas do ramo das madeiras e exploração florestal que sairiam beneficiadas com o fogo no Pinhal de Leiria, também foi investigada. A hipótese foi levantada numa reportagem televisiva emitida em abril do ano passado. Quatro empresas do ramo estiveram sob a atenção das autoridades, tendo sido realizadas escutas telefónicas. As escutas, todavia, conclui a investigação, não permitiram encontrar provas da existência de intervenção dos responsáveis das empresas nos incêndios.

Ouvidos no âmbito deste processo, os empresários negaram o envolvimento no caso, explicando que os benefícios económicos saídos do fogo são de curto prazo. O desaparecimento da floresta implica prejuízos no longo prazo, explicaram. O proprietário do restaurante onde, de acordo com a reportagem televisiva, os empresários do sector se teriam encontrado para delinear a estratégia, negou que tal encontro tenha acontecido, revela o processo.

A reportagem teve um efeito secundário que mobilizou recursos afetos à investigação. Nos dias seguintes à sua transmissão pela TVI, surgiram várias pessoas a indicar achados que seriam supostos artefactos incendiários. Foi o caso de tijelas de barro, encontradas no Pinhal Manso (São Pedro de Moel), que se acabaram por se revelar embalagens de alimentação pré-feita. Foi igualmente o caso de vasos de flores e púcaros de resina, encontrados no Pinhal de Leiria, mas que a investigação apurou serem, afinal, recipientes de barro usados na atividade de resinagem.

Pistas nas redes sociais

Não se esgotam aqui as pistas que foram seguidas pelas autoridades. Foi investigado o caso de uma fotografia do que se supunha ser um artefacto incendiário, encontrado no Alto de Picotes (São Pedro de Moel) e que foi difundida nas redes sociais. A imagem sugeria tratar-se de um Cocktail de Molotov, mas era, tão só, uma embalagem de alumínio – das que são usualmente usadas em churrasqueiras – e que foi deformada para entrar no gargalo de uma garrada. E que propósito terá servido esse objeto? Para ser usado como alvo para tiros de pressão de ar.

A zona de São Pedro de Moel foi rica em pistas, mas também em rumores. Os investigadores procuraram, e encontraram, a fonte de um rumor que dava conta de ter sido avistado na zona de São Pedro de Moel, um indivíduo a atear fogo, usando um maçarico. Terá ainda ameaçado as testemunhas com uma caçadeira, contava-se. Acabou por se concluir que uma pessoa viu, de facto, um indivíduo junto a um veículo. Estava escuro e julgou ter visto uma caçadeira, mas nunca observou fogo junto ao indivíduo em causa.

Artigo originalmente publicado na edição impressa do REGIÃO DE LEIRIA, a 10 de outubro de 2019 

Carlos S. Almeida
Jornalista
carlos.almeida@regiaodeleiria.pt

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