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Desporto

Justino Oliveira: “Alunos devem ter mais tempos letivos para combater o sedentarismo e ganhar práticas de exercício”

Implementado nas escolas há vários anos, o Desporto Escolar sofreu uma paragem abrupta devido à pandemia. Promover a prática da atividade física como hábito é o desafio deste ano letivo, onde continuam a faltar horas para valorizar o programa de Desporto Escolar

Joaquim Dâmaso

Um ano e meio depois da pandemia ter sido identificada em Portugal, de que forma o Desporto Escolar (DE) foi condicionado?
Totalmente, tal como as outras atividades. As escolas estiveram fechadas e o Desporto Escolar esteve completamente parado. Os dirigentes, que estão nas coordenações, aproveitaram para formar grupos de trabalho, porque terminou o quadriénio do Programa Estratégico do Desporto Escolar, e trabalharam sobre o novo Programa Estratégico para 2021-2025, que arrancou este ano letivo, para chegar cada vez mais aos alunos.

E com o regresso à escola, como é que retomou?
Retomou com algumas limitações e limitou-se às paredes da escola. Ou seja, o DE tem vários níveis e o nível 1, que para nós é o principal, dentro da própria escola, com o maior número de alunos a praticar o maior número possível de atividades, teve apenas essa atividade. Essa é a base do DE e deve ser esse o ponto forte. Aliás, o DE tem muita força.

Quantos alunos praticam Desporto Escolar em Portugal?
Pelo menos 200 mil no país, número pré-pandemia. Pós-pandemia ainda não temos. No ano passado, só há relatórios das atividades nas escolas, com todas as limitações que tinham, segundo o plano de contingência adotado.

Um dos novos projetos do Programa Estratégico do Desporto Escolar 2021-2025 é o andebol4kids. Por coincidência, surge quando o andebol ganha relevo com as conquistas no Europeu, Mundial e Jogos Olímpicos. A mediatização de algumas modalidades ajuda ao aparecimento de novos projetos?
Há sempre um reflexo do DE onde há títulos nas modalidades. Nota-se sempre alguma procura por parte dos alunos e quando as escolas o podem oferecer.

A prática das escolas no DE é de iniciativa do grupo de Educação Física, ou seja, podemos ter andebol mas chegar a outra escola e ter outra modalidade. Atualmente, as escolas podem fazer um protocolo entre si e os alunos podem ir praticar noutra escola, solução que faz todo o sentido.

Depois, temos vários projetos com federações, até porque os alunos passam todos pelas escolas e é lá que estão os hipotéticos praticantes das suas modalidades. A primeira a fazê-lo foi a Federação Portuguesa de Atletismo, que se agarrou ao DE com todas as suas forças e a colaborar na organização de grandes eventos, nomeadamente o Mega-Sprinter. Começou com a corrida de 40 metros para descobrir quem são os alunos mais rápidos do país. Muitos dos resultados que existem internacionalmente no atletismo são de alunos que foram descobertos no DE.

Depois veio o ténis de mesa, o basquetebol, com o street basket, agora 3×3, e o andebol, das últimas federações a agarrar a oportunidade.

Que outros projetos destaca no Programa Estratégico?
Há uma aposta forte da tutela nas modalidades náuticas. Nós temos muitos centros de formação desportiva, um nível mais avançado, de prática e de experimentação para muitos jovens. O concelho de Leiria não consegue ter um centro de formação, por causa das suas características geográficas, mas no distrito conseguimos ter Nazaré, S. Martinho do Porto, Peniche, que têm imensos centros: caiaque, vela, remo, surf, bodyboard, e alguns com projetos fortíssimos.

Há uns anos, idealizei um projeto similar em Leiria, dentro das atividades náuticas, e consegui adquirir caiaques, pranchas de stand up paddle, fatos, …, todo o material para que as escolas pudessem usufruir.

O material está no estádio [de Leiria] e a ideia era que todas as escolas, devidamente articuladas, podiam experimentar, ali ao lado, no rio Lis e no cais que ali existe. Veio a pandemia e o material ainda está encaixotado.

O objetivo é proporcionar a experimentação de modalidades ao maior número possível de alunos, com técnicos altamente qualificados e totalmente grátis.

Veja o exemplo da Festa do Desporto, organizada por vós, com as filas que se formam para experimentar a canoagem. Mas temos um grave problema que está relacionado com a qualidade da água do rio e, por isso, não é possível aos alunos entrar na água. No centro da cidade, o projeto fica condicionado, por agora, mas pode ser transposto para outros pontos do concelho, como a lagoa da Ervedeira.

Mas o projeto não morreu. Já se fizeram ações de formação de professores na lagoa da Ervedeira.

São atividades desportivas que a maior parte dos alunos não tem e, por isso, é importante a sua experimentação, com a mais valia de ter técnicos altamente qualificados para o ensino e ser totalmente grátis.

Quais as modalidades que os alunos procuram mais?
Eu jogava à bola na rua e hoje os miúdos não o fazem, nem os próprios pais deixam eles virem para a rua, pelo trânsito e outros perigos que antes não existiam. Os alunos têm outras atrações, os jogos, telemóveis, etc, e passam muito tempo sentados. Ora é mais fácil eles largarem isso para modalidades que não precisem de tanta organização.

O meu grupo de amigos sabia que se juntava sempre no mesmo local até as mães nos chamarem para jantar. Agora não se vê os miúdos a subir às árvores e trepar muros. Por isso, as modalidades individuais que têm alguma adrenalina são as que motivam os jovens, sozinhos ou com amigos: bicicleta, skate, pranchas ou escalada. Às vezes também com bola, mas cada vez mais individualmente. São mais fáceis as modalidades com adrenalina, por isso é que os skate park estão cheios.

O professor Carlos Neto, um defensor acérrimo da prática de exercício e de trepar árvores, disse recentemente que “o DE tem de ser revalorizado dentro da escola”. Partilha desta opinião?
Claro que sim. As coisas têm que ser pensadas de forma a que haja espaço para elas. Não falo apenas do DE mas também do teatro, da música, …

Com a pandemia, os horários foram desdobrados e os miúdos e as escolas têm menos tempo para atividades de complemento curricular, que se possam praticar dentro da escola. Não há espaço para isso.

As quartas-feiras à tarde, normalmente livres, ao fim de dois meses, começam a ser utilizadas para aulas de apoio e as práticas de outras atividades ficam sem espaço. Muitas vezes são o que mais cativa os alunos.

O DE e as outras atividades têm que ganhar muito mais espaço para a sua prática. Há escolas que se preocupam com isso e têm uma dinâmica interna muito relevante, mas nem todas o fazem.

A Direção-Geral da Educação (DGE) assume o compromisso da “promoção dos valores do desporto, com ênfase para a igualdade, inclusão e fair-play”. O que é que não tem corrido bem para que estes valores ainda não estejam incutidos nesta prática?
O principal handicap é mesmo a falta de espaço, de horas, para a prática destas atividades. Os alunos estão sobrecarregados com aulas. Aliviando a carga horária e estruturando de outra forma os horários, era possível criar espaço para as práticas desportivas mas não só, também outras que são igualmente relevantes. Isso é uma guerra de muitos anos.

Veja as declarações do Fernando Pimenta. Em boa parte dos países da Europa, a Educação Física é diária. Nós temos três tempos letivos, duas vezes por semana. Os alunos devem ter muito mais, para combater o sedentarismo, ganhar práticas de exercício, criar hábitos.

Tem que se fazer uma mudança de mentalidades?
Principalmente no 1º ciclo, que é onde nós adquirirmos determinadas aprendizagens motoras e é nessas idades ou então nunca mais as aprendemos. Ou aprendem nas brincadeiras naturais, próprias dessas idades ou nunca mais se interiorizam.

Tudo isto se vai pagar caro?
Sim e bem caro. Os alunos que não têm a disponibilidade motora, que não desenvolveram no 1º ciclo, chegam ao 2º ciclo e têm dificuldade nos programas de Educação Física.

Não conseguem, por exemplo, manter no ar a bola de voleibol, sem a agarrar. Há crianças que aos 10 anos não sabem correr, não sabem atirar uma bola.

Saber ler e escrever podemos fazê-lo aos 20 anos, mas aquela ação motora próprias dessas idades ou é ali ou nunca mais se interioriza.

Este é um ano zero para o Desporto Escolar, devido à pandemia. De que forma as escolas e a sociedade podem aproveitar esta nova oportunidade para dar um impulso diferente ao DE e à atividade física?
Depende muito da dinâmica dos próprios professores dentro do grupo de Educação Física e da estratégia das escolas para cativar os alunos para essas práticas.

No Dia Europeu do Desporto na Escola, houve algumas escolas onde se fez uma demonstração de várias modalidades e cada aluno podia experimentar as várias modalidades que têm no Desporto Escolar e assim os mais novos podiam conhecer a prática. A motivação vem com o sucesso e insucesso que se constroi ao longo do ano.

Muitos atletas nacionais, alguns campeões europeus e mundiais, começaram no DE: Patrícia Mamona, Fernando Pimenta, Rui Norte, ou os leirienses Eduardo Oliveira e André Domingues. Quando os vê num pódio, com uma medalha ao peito ou a cantar o hino, fica com a sensação de missão cumprida?
Claramente. [Pausa] É uma satisfação enorme. O professor Rui Norte esteve para deixar a Educação Física e eu insisti que continuasse e agarrasse o projeto de DE. Entrou na DGE e agora é um treinador de referência que ajudou o atletismo a crescer.

O projeto Mega-Sprinter só tinha a corrida de 40 metros e, nós, em Leiria começámos a introduzir outras disciplinas. Não fazia sentido os alunos virem um dia inteiro para fazer uma ou duas corridas de 40 metros. Introduzimos o salto, os 1.000 metros e o arremesso. Todos nasceram em Leiria e estão implementados nos encontros nacionais Mega-Sprinter.

Que desafio deixa aos alunos para a prática do DE?
Escolham a oferta da escola que lhes parece mais interessante e que, pelo menos, tentem. Se sentirem que a escola não tem a oferta que procuram, que vejam com o seu professor de Educação Física o que a escola pode oferecer ou que condições existem para praticar numa escola das redondezas. Que experimentem, não fiquem à espera.

Perfil

Justino Oliveira tem 64 anos e é natural de Cortes, Leiria. Jogou andebol na União de Leiria e no Benfica e foi diversas vezes convidado para jogar futebol mas nunca quis.

Formado em Educação Física, é Coordenador Local de Desporto Escolar em Leiria há mais de 25 anos, sendo dos mais antigos responsáveis do país no cargo. Foi convidado para a, designada na altura, Direção-Geral de Desportos.

Experimentou um ano e não mais deixou a função. Docente na Escola Secundária Afonso Lopes Vieira (Gândara), há vários anos que não leciona devido aos cargos que desempenha.

É também responsável nacional de segurança e apoio médico dos grandes eventos de DE a nível nacional.

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