Faltavam dois minutos para as 21 horas quando chegou ao estádio de Leiria, esta quarta-feira, a caravana com mais de duas dezenas de refugiados ucranianos provenientes de Tiszabecs, na Hungria. O silêncio é ensurdecedor enquanto os veículos estacionam junto à Porta 2. Até que há uma porta que se abre e ouve-se o choro de uma criança.
Logo a seguir começam a sair mulheres, adolescentes e outras crianças dos veículos. Os familiares que aguardavam no local aproximam-se e trocam abraços apertados com os entes queridos que agora se encontram em segurança. Não tardaria a surgirem as primeiras lágrimas.
As famílias são recebidas pelo presidente da Câmara de Leiria, Gonçalo Lopes, e alguns vereadores do executivo leiriense, que encaminham os cidadãos ucranianos para o interior do estádio, em direção ao Centro de Acolhimento Temporário instalado nos camarotes do recinto desportivo.
Apesar das instruções claras e mesmo traduzidas em ucraniano, os cidadãos procuram os rostos que, por estes dias, lhes têm sido mais próximos e é neles que buscam orientações.
Um deles é o de Miguel Novais, comandante dos bombeiros voluntários de Leiria, que tomou conta do volante de uma das carrinhas. E se para quem deixou tudo para trás este é um rosto que transmite segurança, ele é também revelador de muito cansaço e emoção.
“É uma sensação de missão cumprida e coração cheio de alegria e felicidade por conseguir trazer sãs e salvas estas pessoas para a nossa cidade”, começa por dizer ao REGIÃO DE LEIRIA.
Findos os cincos dias de viagem e percorridos quase 7 mil quilómetros entre Portugal e a Hungria, considera esta “uma das missões mais difíceis” que já integrou.
O primeiro contacto entre a comitiva de Leiria e o grupo de refugiados aconteceu na segunda-feira, dia 7, e a partir daí cresceu uma relação de cumplicidade e confiança: “Ao início as pessoas mostravam alguma tristeza e apreensão, não sabiam quem éramos nem para onde é que iam, mas com o tempo começaram a perceber que estávamos ali para ajudar”, acrescenta.
O ponto de viragem deu-se quando foi servida a primeira refeição quente. “Estas pessoas devem ter passado por muito, muitas horas a pé, a fugir e provavelmente sem comer, porque assim que tiveram uma refeição, todo o estado de espírito mudou”, sublinha Miguel Novais, visivelmente emocionado.
A emoção é partilhada por Inês Vieira, médica da mesma corporação e que acompanhou a comitiva. Sente que cumpriu a missão que lhe estava destinada, mas gostava de ter feito mais.
Recorda o que viu nos pavilhões que acolhem refugiados e as vezes em que ofereceu ajuda e quis arregaçar as mangas: “Senti-me impotente, gostava de ter ajudado mais como médica”, afirma.
No entanto, estava cumprido o objetivo de entregar os donativos dos leirienses e trazer os cidadãos ucranianos que precisavam de refúgio.
“Encontrámos pessoas cansadas, desidratadas, desconfiadas, mas nestes dois dias em que estivemos juntos criou-se uma cumplicidade grande”, completa. Os ucranianos aprenderam palavras em português e os portugueses aprenderam palavras em ucraniano. Ouviu-se muita música e até se contaram algumas piadas.
No final do dia, 10 mulheres, oito adolescentes, uma criança e dois bebés chegaram hoje a Leiria e vão poder dormir em segurança. 13 ficarão no alojamento do estádio de Leiria. Outra certeza é a de que vão poder contar com a visita dos amigos que fizeram pelo caminho: bombeiros, outros voluntários e até jornalistas.
Os 21 refugiados seguem para o interior do estádio e carregam apenas pequenas mochilas às costas ou malas de viagem. Num relance há uma senhora que passa com dois peluches na mão: um urso e um “Spongebob”.
Autocarro sai de Leiria para ir buscar 51 cidadãos ucranianos
Também esta quarta-feira, dia 9, um autocarro partiu de Leiria em direção à fronteira da Ucrânia para resgatar mais 51 refugiados.
Segundo uma nota da Câmara de Leiria, o grupo deverá chegar na próxima quarta-feira, dia 16, e 31 cidadãos ucranianos ficarão no alojamento criado no estádio de Leiria. Os restantes deverão ficar com familiares residentes na região.
A comitiva de Leiria que se encontra a caminho é composta por dois bombeiros e uma imigrante ucraniana.