Como era Leiria há 90 anos? Que tipo de serviços existiam? De que forma é que o comércio foi-se desenvolvendo? E como é que se escrevia e falava à época? Como é que se fazia jornalismo?
Estas e muitas outras perguntas ganham resposta no arquivo do REGIÃO DE LEIRIA, que está a ser digitalizado na sua totalidade. É um manancial de edições, muitas reunidas em livros e as mais recentes em pilhas protegidas por uma cartolina. São milhares de páginas, desde o ano de fundação do jornal – 1935 –, com pistas que permitem deslindar a Leiria de então e o quanto evoluiu até hoje. É um verdadeiro retrato da cidade e do território, do “mapa de geografias” que se cruzam no jornal.
“É um arquivo cheio de riqueza e de história, não só dos factos e protagonistas que nos marcaram, mas também da própria evolução das atividades económicas”, frisa Francisco Rebelo dos Santos, diretor do REGIÃO DE LEIRIA.
Idealizada há muito, a vontade de digitalizar todo o arquivo – que engloba o material disponível na redação do jornal e no Arquivo Distrital de Leiria – ganhou força agora com a celebração dos 90 anos do REGIÃO DE LEIRIA, explica Francisco Rebelo dos Santos, sublinhando que o objetivo principal é que “todas as pessoas tenham acesso a um bem público: o nosso arquivo”.
REGIÃO DE LEIRIA, Politécnico de Leiria (IPL) e Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB) estabeleceram uma parceria para que este projeto pudesse avançar. Vítor Pedrosa, paginador do REGIÃO DE LEIRIA – que trabalha há três décadas no jornal -, e Catarina Menezes, docente e investigadora da Escola Superior de Educação e Ciências Sociais (ESECS), do IPL, passaram a dedicar parte do seu tempo a digitalizar as páginas, uma a uma, utilizando os recursos do Arquivo Distrital de Leiria (ADL).

Processo minucioso
Segundo os responsáveis, tem sido um processo muito minucioso, visto que se trata de objetos frágeis, páginas com muitos anos, que não podem correr riscos. É um bem precioso, do qual o jornal e o ADL têm sido guardiões, mas querem agora disponibilizar a todos os públicos, recorrendo apenas a um clique.
Desde páginas vincadas que precisam de ser esticadas com muito cuidado a páginas recortadas que carecem de montagem, são várias as dificuldades técnicas inerentes ao processo de digitalização, mas para Catarina Menezes o mais difícil é mesmo resistir à tentação de parar para ler. “Encontram-se detalhes maravilhosos, como pessoas que perderam o chapéu numa loja e o estabelecimento informa no jornal que há um chapéu perdido; retratos de casamentos e batizados (…) Quando começamos a ficar espantados com aquilo que encontramos é a ‘morte do artista’”, diz, entre risos.
E sublinha: “Isto dá para fazer uma história absolutamente fantástica sobre o que era Leiria neste período”.

Vítor, que tem ocupado praticamente todas as sextas-feiras desde o início do ano a dirigir-se ao ADL, confessa que “é um orgulho fazer este trabalho”, que assume até chegar a ser viciante, porque há sempre uma “ânsia de terminar a digitalização” da edição em que se está a trabalhar para seguir para a próxima e ir riscando anos da listagem.
O cheiro das páginas antigas também traz nostalgia e pode ser inebriante. E cada momento em que se segura no livro é como agarrar uma peça de cristal. Tem de se ter o máximo de cuidado possível para evitar danificar páginas.
Além da democratização do acesso ao arquivo, a digitalização é também “mais uma forma de salvaguarda”. É, em suma, uma agilização de todos os processos, para quem guarda o arquivo e o tem de disponibilizar, e para quem o quer consultar.






Facilitar a investigação
Para José Carlos Marques, diretor da ESECS, este projeto permite “desenvolver novas oportunidades de investigação, de estudo e de análises em diversas áreas (pelo menos tantas quantos os temas que ao longo das décadas foram abordados pelo REGIÃO DE LEIRIA)”.
“Esperamos, assim, que com esta parceria seja possível aprofundar a produção científica dos docentes e investigadores da ESECS, para introduzir os estudantes de diferentes níveis formativos à prática de investigação”, sublinha o diretor, em resposta escrita ao jornal.
A par da investigação, a parceria poderá ajudar também “a estabelecer um relacionamento mais próximo entre os alunos, os jornais e a atividade dos profissionais que trabalham para produzir os jornais”. O acesso integral ao arquivo do jornal é “um recurso pedagógico precioso, que permitirá aos estudantes compreender a evolução do jornalismo e aprofundar a análise dos conteúdos publicados”, conclui.
Paula Cândido, diretora do ADL, reforça a ideia: é um contributo “inestimável para a construção da identidade local” e para “promover a investigação junto da comunidade estudantil”.
Além disso, remata, “digitalizar o património documental para garantir a sua preservação e torná-lo acessível a um público é neste momento a grande prioridade” do Arquivo.


Primeiros resultados
Embora estes impactos ainda não sejam possíveis de medir, há já um projeto a “sair do forno” no final do mês e que é o primeiro resultado palpável do trabalho de digitalização. Trata-se do livro “Capas com História – 90 anos de Região de Leiria”, que vai ser lançado no próximo dia 30, numa cerimónia pública na Fundação Caixa Agrícola de Leiria, pelas 17 horas.
Coordenada por Catarina Menezes, a obra reúne mais de 90 capas, que espelham momentos importantes da sociedade, pelo seu valor-notícia, mas também marcos da história do jornal.

Segundo o diretor do REGIÃO DE LEIRIA, o livro pretende ser “uma homenagem a todas as pessoas que fazem parte da história do jornal, desde fundadores a colaboradores, todas as pessoas que a jusante e montante trabalharam com o jornal”.
“Capas com História” será editado pela Imagens e Letras e conta com as colaborações de Acácio de Sousa, Carlos S. Almeida, Dina Alves, Leonel Brites, Fernando Mendes e Vítor Pedrosa.
Já o arquivo completo, deverá ser disponibilizado no primeiro trimestre de 2026 na plataforma DigitArq, avança a diretora do ADL.