Nelson Ferreira lembrará para sempre 2025. Nos últimos meses, o artista plástico natural da Maceira, Leiria, expôs em Borobudur, na Indonésia, o maior templo budista do mundo, e também em Angkor Wat, no Cambodja, o maior complexo religioso do planeta.
Uma experiência transformadora que prossegue e que promete novos episódios em breve. A partir do Laos, Nelson Ferreira falou deste novo desafio ao REGIÃO DE LEIRIA.
Como surgiu a oportunidade de levar o projeto PlatiGleam, estreado na Batalha em 2023, até à Indonésia e ao Camboja?
Tudo começou quando uma das diretoras do templo de Borobudur, Hetty Herawati, teve conhecimento de uma das minhas obras em técnica PlatiGleam (Platina que brilha, do inglês “Platinum that Gleams”), que integra o acervo permanente do Mosteiro da Batalha. Essa descoberta só foi possível graças ao dr. Joaquim Ruivo, antigo diretor do mosteiro, que fez a ponte entre o meu trabalho e o templo de Borobudur. Foi então que recebi o convite para criar uma pintura PlatiGleam em Borobudur, o maior templo budista do mundo, construído com cerca de dois milhões de blocos de pedra, tendo 2.600 painéis narrativos esculpidos em baixo-relevo que totalizam cinco quilómetros, com mais de 500 estátuas de Buda. É o monumento da UNESCO mais visitado na Indonésia – 3,5 milhões de turistas por ano.
Mas não ficou por aí…
O Ministério da Cultura da Indonésia, através da equipa “Injourney Destination”, desafiou-me a expandir o projeto a outros templos de Java – Prambanan, o segundo maior templo hindu fora da Índia, e o templo de Sewu, de matriz budista. O sucesso da experiência valeu-me uma nomeação inesperada: a de embaixador cultural do templo de Borobudur, um título que recebo com enorme responsabilidade e honra, pois simboliza não apenas o reconhecimento da minha obra, mas também a ponte cultural que se estabelece entre universos tão distantes. Nesse papel, fui enviado ao Camboja, onde tive a oportunidade extraordinária de trabalhar em Angkor Wat, o maior complexo religioso do mundo (com 160 hectares de área), dedicado ao sol. Ali realizei um tríptico em técnica PlatiGleam, concebido ao longo de sete amanheceres durante o equinócio, quando o templo se alinha com o nascer do sol. Foi uma experiência exigente, mas que permitiu levar esta técnica inédita a um dos lugares mais icónicos da humanidade, expandindo ainda mais o alcance do projeto.
Há quanto tempo está e quanto mais vai estar no sudoeste asiático?
Tenho dividido o meu tempo entre a Indonésia e o Camboja, dedicando cerca de um mês a cada etapa do projeto. Na Indonésia, pintei durante sete noites em cada um dos templos – Borobudur, Prambanan e Sewu – numa maratona intensa que se prolongou por várias semanas. Todo o processo foi documentado pelo realizador Yuri Chernikov, que já me tinha acompanhado enquanto artista residente no Mosteiro da Batalha. Estamos a preparar um documentário que sairá em breve. Em Angkor Wat, no Camboja, desafiei-me a captar sete nasceres do sol consecutivos. No entanto, as chuvas tropicais acabaram por prolongar o processo quase um mês, obrigando-me a ajustar o ritmo de trabalho. Estou agora a regressar à Indonésia, de onde em breve anunciarei outra notícia incrível.
Como descreve esta experiência?
Profundamente transformadora. Na Indonésia encontrei um apoio logístico e institucional sem precedentes: equipas inteiras dedicadas ao meu trabalho – fotógrafos, documentaristas, técnicos de iluminação e motoristas. Senti que ali a arte se vivia como um verdadeiro acontecimento coletivo. O clima, contudo, foi um desafio constante. A humidade extrema atrasava a secagem das telas, obrigando-me a expor as obras PlatiGleam ainda húmidas – algo impensável na Europa. Mas essa dificuldade deu ainda mais intensidade ao processo, forçando-me a adaptar métodos e a confiar no momento.

As suas exposições em Borobudur e Angkor Wat foram pioneiras. Como foram esses momentos e como foi a reação do público?
Em Borobudur, fui o primeiro artista residente e assinei a primeira exposição de pintura alguma vez apresentada naquele templo com 1200 anos de história. A cerimónia de abertura foi inesquecível: danças tradicionais de Java inspiradas nos frisos do templo, uma orquestra de gamelão, um jardim criado especialmente para o evento com centenas de flores, um jantar para 150 convidados VIP dentro do recinto, iluminação especial do monumento – algo raríssimo, reservado a cerimónias religiosas – e uma ampla cobertura mediática: perto de 20 jornais e canais de televisão acompanharam a minha conferência de imprensa.
O público foi caloroso e parecia hipnotizado ao ver as pinturas pela primeira vez. Foi um momento histórico e tive visitantes que conduziram mais de oito horas para estarem presentes. Nas redes sociais, a reação foi surpreendente: várias partilhas alcançavam dezenas de milhares de visualizações, tornando o projeto viral e levando-o a muito mais pessoas do que poderia imaginar.
No Camboja, tive igualmente a honra de ser o primeiro artista residente nos 900 anos de história de Angkor Wat. Sendo um templo solar, precisei de adaptar a técnica PlatiGleam ao nascer do sol – um desafio, já que a luz natural ameaçava neutralizar os efeitos criados para serem vistos no escuro. Ao longo de sete amanheceres, quase sempre condicionados pelo clima, desenvolvi um tríptico que causou espanto, entusiasmo e até profunda admiração em muitos visitantes. Houve quem permanecesse diante da pintura em vez de contemplar o nascer do sol. Para mim, foi a confirmação de que estava a viver um momento único – não apenas na minha trajetória artística e pessoal, mas também na forma como estes lugares sagrados se revelaram profundamente adequados à técnica PlatiGleam.
Pessoal e artisticamente, o que ficará destas experiências?
Trago, antes de mais, uma profunda sensação de honra e de responsabilidade por ter representado Portugal em cenários de tamanha singularidade e grandeza histórica. Foram momentos de felicidade intensa, de uma realização pessoal que dificilmente se traduz em palavras. Do ponto de vista artístico, fui obrigado a reinventar o método PlatiGleam: adaptar-me a condições totalmente diferentes, trabalhar em diálogo com novas equipas e ajustar o processo criativo às possibilidades e limitações impostas pela natureza – da luz nascente do sol à humidade tropical. Mas o maior legado ultrapassa a técnica. No sudoeste asiático percebi que existem regiões do mundo onde a arte, o património e a cultura são tratados com visão estratégica e respeito profundo, conferindo-lhes verdadeira dimensão histórica. É nesse contexto que sinto que o meu trabalho se enraizou: deixou de ser um gesto efémero para se tornar memória permanente. No Museu de Borobudur, por exemplo, foi construída uma sala exclusivamente dedicada às minhas pinturas PlatiGleam, com 9×6 metros. Esse facto dá-me a certeza de que o projeto não me pertence apenas a mim, mas integra agora uma herança destinada a permanecer no tempo. Como disse Hipócrates há mais de 2.400 anos: “A vida é breve, a arte eterna.”