O REGIÃO DE LEIRIA foi publicado pela primeira vez no ano de 1935, a 10 de outubro. Então, como agora, foi publicado a uma quinta-feira. Cumpre, esta sexta-feira, 90 anos. Foi há 32.873 dias. Em Leiria, a falta de retretes públicas ou a nova ponte que nunca mais era inaugurada eram preocupações merecedoras de nota num jornal.
Embora visado pela censura, o primeiro REGIÃO DE LEIRIA não deixava, ainda assim, de marcar posição no intuito de denunciar os problemas da cidade. A questão das “já hoje lendárias retretes a construir não se sabe quando” foi uma das preocupações que encontrou eco no jornal, mas não veio sozinha. Na página oito e última dessa primeira edição, lá está a reclamação que podemos resumir desta forma: o rio Lis tem uma nova ponte, mas parece estar entaipada, por inaugurar há meses — “foi construída por se reconhecer a necessidade ou só para servir como ornamento?”, questionava o editor.

Este não foi, todavia, o assunto central da primeira edição. O que viram os primeiros leitores do REGIÃO DE LEIRIA? As primeiras palavras do jornal foram dirigidas ao tecido económico: “Ao encetarmos a publicação deste semanário, endereçamos as nossas saudações ao comércio e indústria da região de Leiria, com os melhores desejos pelas suas prosperidades.” E acrescentava: “É indispensável (…) que os srs. comerciantes e industriais nos confiem a publicação dos seus anúncios.”
Na altura, o apoio da comunidade e do tecido empresarial era já entendido como fulcral. Atualmente, não é diferente. A primeira edição, de oito páginas — cuja cópia encontra na edição desta semana — está repleta de reflexos de Leiria.
Há anúncios, vários, mas não só. Há apontamentos deliciosos, sobretudo aos olhos do leitor dos dias das redes sociais, em que a banalidade se confunde tantas vezes com notícia e o elogio gratuito com opinião. Veja-se o caso no meio da página três, do lado direito: “Tivemos o prazer de cumprimentar nesta cidade o senhor Manuel da Silva Branco, importante comerciante em Vermoil e vereador na Câmara de Pombal”, escreve o editor, acrescentando elogios ao “afável” comerciante e autarca. Dir-se-ia, talvez com exagero, que basta abrir a primeira edição deste jornal para olhar por uma janela do passado para a cidade do Lis e a sociedade da época.
Nas páginas seis e sete, os números de telefone de Leiria são reproduzidos: pouco mais de duas centenas. A título de exemplo, aos “Correios e Telégrafos” pertencia o número um, e ao Café Colonial, o número dois. Não deixa de ser curioso o último número, em ordem alfabética, bem revelador do papel da mulher na sociedade de então: quem ligasse para o 232 poderia falar com a “Viúva de José Bernardes Moreira”.
Aquele era, também, tempo de fitas — literalmente. No cinema, muito provavelmente no Teatro D. Maria Pia, estava em exibição o filme Amores de Schubert e, no domingo, O Condenado. E bilhetes? “Para hoje poucos bilhetes restam; para domingo marcam-se na Tabacaria Façanha”, pode ler-se.
Um carro e uma bicicleta
Neste mundo tão distante no tempo, mas tão próximo no espaço, há um verdadeiro diretório para a economia entre guerras. O automóvel, produto em ascensão, é o epicentro do sismo comercial que o REGIÃO DE LEIRIA queria provocar, visando a sua sobrevivência. Um anúncio de página inteira da Auto-Leiria anunciava o comércio de automóveis e “camions” Ford, batizados com o nome do pai da massificação das máquinas que se perpetuam até aos nossos dias.
Uma fábrica de alpercatas, outra de cortumes, um agente de chapas, reservatórios de água e outros elementos em fibrocimento, serrações, restaurantes e também lojas de roupa são alguns dos espaços que inauguraram a veia proeminentemente comercial da publicação.
Se é certo que o automóvel ganhou no campeonato do espaço publicitário, a verdade é que as bicicletas Triumph também marcaram presença: o negócio — na época, com preços a partir de uns bem onerosos 900 escudos (4,5 euros) — incluía igualmente pneus a partir de 22 escudos.
O dinheiro, então como agora, era relevante. E a habitação, também. Na página sete, anuncia-se que a Caixa Económica Postal aceita depósitos desde 20 centavos (qualquer coisa como 0,1 cêntimos de euro), mas também que, em Marrazes, se vende uma casa com cinco divisões e “muito pé direito”.
Quanto ao REGIÃO DE LEIRIA, morava na Tipografia Leiriense e tinha em J. Batista Santos o editor e diretor. Quando nasceu, fê-lo com vigor e vontade de refletir Leiria e a região a quem se apresentou para dar início a uma relação que persiste.
Em 1935, para quebrar o gelo, o jornal socorreu-se de uma ferramenta universal: o humor. Aconteceu na página sete:
— Já te aconteceu algum acidente de viagem?
— Já tive um, uma vez, e terrível.
— Conta lá!
O fim da piada está lá, na reprodução da primeira edição que publicamos esta semana, para o leitor descobrir, enquanto descobre a primeira de 4.621 edições do REGIÃO DE LEIRIA. Seja como for, fica uma pista: o desfecho da piada dificilmente arrancaria gargalhadas hoje — mas é bom saber que, 90 anos depois, o jornal continua a levar a sério aquilo que nem sempre começa com graça.