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Play it, Sam: A insustentável leveza de um argumento

Um dos maiores motivos de frustração num filme é quando uma excelente ideia é torturada em película (ou em formato digital).

João M. Alvim, advogado jmalvim@gmail.com

Um dos maiores motivos de frustração num filme é quando uma excelente ideia é torturada em película (ou em formato digital). Pode ter origem num excelente livro ou até numa ideia apelativa que, pensamos, foi mesmo feita para ser filmada. Mas quando se passa à prática, o resultado, pior que mau, é desastroso. E depois há outros, que de ideias aparentemente frágeis ou desinteressantes criam filmes brilhantes. É por isso que nomes como Aaron Sorkin ou David Mamet, usando referências mais recentes, dão logo garantias a qualquer cinéfilo mais exigente.

É que não basta um bom realizador a filmar uma boa ideia para se garantir um bom filme: David Fincher, por exemplo, apesar de ser para lá de excelente, criou um Benjamin Button que, bem escalpelizado, não é muito mais que uma composição apenas competente. Já Peter Jackson conseguiu aquilo que muitos duvidavam: transformar o Senhor dos Anéis num filme de referência. Mas é Woody Allen que bate tudo, se usarmos referências mais ou menos unânimes: 15 nomeações para os Óscares que lhe deram três estatuetas. E talvez porque Allen é daqueles génios que sabe agarrar na vida e nos seus absurdos e criar histórias prontinhas para ser filmadas. Mas voltando a Fincher. Se falhou a filmar um Benjamin Button, filme baseado num conto de F. Scott Fitzgerald e com o argumento de Eric Roth (argumentista de Forrest Gump e Munique, por exemplo), acertou em cheio quando filmou Rede Social, a partir de um argumento de Aaron Sorkin (autor de uma das melhores séries de sempre, Homens do Presidente) que por sua vez foi baseado num livro. E uma história aparentemente básica e até desinteressante (a criação do Facebook, a sério?) conseguiu criar um quase thriller psicológico sobre a amizade, ambição e poder. Ganhou o Óscar de Melhor Argumento e perdeu, mal, o de Melhor Filme, mas as convenções venceram com O Discurso do Rei (que não ficará para História). Isto tudo para dizer que muitas vezes não basta saber contar, há que ter algo de sólido e excelente para contar, seja original ou adaptado.

(texto publicado na edição em papel de 1 de junho de 2012)