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Play it, Sam: A marca de Malick

Em 2011 andei um bocado fora da graça dos deuses cinéfilos. Comecei o ano a ver tudo quanto era nomeação para os Oscares, atingindo quase a overdose de película, mas a partir do segundo trimestre entrei em serviços mínimos, essencialmente por motivos profissionais e académicos.

João Melo Alvim, advogado jmalvim@gmail.com

Em 2011 andei um bocado fora da graça dos deuses cinéfilos. Comecei o ano a ver tudo quanto era nomeação para os Oscares, atingindo quase a overdose de película, mas a partir do segundo trimestre entrei em serviços mínimos, essencialmente por motivos profissionais e académicos.

O certo é que nem o Verão me salvou mas, sinceramente, tirando um ou outro fogacho, virei-me mais para as séries (onde a criatividade e a excelência andam cada vez mais em alta). Aliás, passando os olhos pelas estreias deste ano, constata-se que 2011, no que toca ao mainstream, foi mais um ano de filmes tipo chuva de estrelas, desaparecendo fugazmente após um início (dizem que) espectacular. Ou seja, chego ao final de 2011 com uma lista relativamente pequena de filmes que não tendo visto, sei que tenho absolutamente de ver. À cabeça, “Drive”, de Nicolas Winding Refn, e “Árvore da Vida”, de Terrence Malick. Deixando o primeiro para outra crónica, confesso que me tem faltado coragem para “atacar” o segundo.

A obra de Malick é curta mas de elevada qualidade (cinco longas metragens entre 1973 e 2011, sendo que para os próximos dois anos se prevêem quatro filmes!): começa com “Noivos Sangrentos” e “Dias do Paraíso”, ambos nos anos 70, e só retorna 20 anos mais tarde com “A Barreira Invisível”, um dos melhores filmes sobre a Humanidade, mas em cenário de guerra. Raramente encontrei, em cinema, capacidade para filmar com tanta serenidade o caos de sentimentos e de emoções que normalmente nos toldam. Malick não precisa de pirotecnia ou sequer de muitos diálogos para criar um espaço para o qual, estando dispostos, rapidamente nos perdemos a pensar enquanto o filme nos serve como espelho. Repita-se, contudo, que não é fácil entrar nesse registo. Mas essa é a marca de um Mestre: não é tornar as suas obras inacessíveis, é torná-las parte de nós.

(texto publicado na edição em papel de 16 de Dezembro de 2011)