Assinar

Escrevivendo: Supermulher

Quando a conheci, já ela tinha idade para ser minha mãe: uns 30 anos bem marcados pela dureza da vida e quatro filhos. Depois, contei-lhe ainda mais seis!

Antonio-gordo
António Gordo, professor (ap.) antoniogordo@gmail.com

Quando a conheci, já ela tinha idade para ser minha mãe: uns 30 anos bem marcados pela dureza da vida e quatro filhos. Depois, contei-lhe ainda mais seis!

Vivia de quase nada, num lugarejo bonito, longe de tudo. Mercearia, igreja, escola ou camioneta da carreira para Leiria ficavam a 3 kms, a pé, por caminhos inacessíveis a rodas civilizadas. Sofreu as privações do pós-guerra. Suportou trabalhos dobrados, com o marido emigrado em França, cuidando das terras e dos filhos. Durante décadas, foi a cozinheira de inúmeros casamentos e festas nas freguesias mais próximas. (Quem não conhecia a “Ti’Amélia Cozinheira”?) Venceu várias doenças de má fama e lutou heroicamente contra outras dos filhos. Para eles, obteve ajudas de gente boa e mesmo um improvável apoio da Presidência do Conselho (1958?). Várias vezes ressuscitou de mortes anunciadas, até um dia lhe aparecerem pessoas em casa para o funeral, ou lhe rezarem publicamente pela alma na capela mais próxima. Tinha uma fé inabalável e inventava tempo para a sua prática em serviços e instituições da igreja.

Partiu há dias, serenamente, para a “terra prometida” da sua fé, na véspera dos 95 anos. Permanece, porém, bem viva no panteão espiritual que construiu com os seus 10 filhos, 18 netos, 17 bisnetos e tanta gente amiga! Foi – à letra – a mulher da minha vida. Uma supermulher, a minha mãe.

(texto publicado na edição de 27 de fevereiro de 2014)