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Leva se quiseres: Nós os incendiários

Morreram bombeiros no combate às chamas e o povo glorificou os heróis.

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Tiago Granja Carvalho, bancário tiagogranja2000@gmail.com

Morreram bombeiros no combate às chamas e o povo glorificou os heróis. Propriedades no valor de centenas de milhares de euros foram protegidas com vidas humanas. Homenagens, recolha de fundos, imagens de adoração foram lançadas nas redes sociais. Empresas privadas associaram-se à angariação de fundos conciliando o seu orçamento de marketing com a desgraça alheia.

Mas a vida de um bombeiro não vale bens materiais. Por isso os bombeiros são vítimas. De todos nós. A cada morte estúpida uma vítima era transformada em herói. Elogiava-se a coragem e a generosidade. A idolatria da estupidez humana foi ganhando forma. Talvez isto tudo seja consequência de um arquétipo que tem moldado o nosso pensamento colectivo: o dever do sacrifício em nome do património.

De forma semelhante homens, mulheres e crianças “ardem” todos os dias por não serem condignamente tratadas no nosso sistema de saúde. Enquanto o fogo dos orçamentos consome recursos e meios fazemos secretamente também destes os nossos humildes “soldados desconhecidos”.

Talvez a glorificação destas mortes seja uma forma de todos fugirmos à culpa. Parece que a adoração do dever do sacrifício em nome do património nos molda a psique. Para mim é simplesmente auto flagelação. Uma tradição judaico cristã, que perante a culpa, não resolve nada.

(texto publicado na edição de 19 de setembro de 2013)